Em nosso país, temos uma Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, intitulada de CONITEC, que resumindo é um órgão colegiado de caráter permanente, integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde, que tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde, bem como na constituição ou alteração de protocolos clínicos e farmacológicos.
Infelizmente, esse órgão não necessariamente será sempre composto de cientistas e seus integrantes são nomeados pelo poder executivo federal, que atualmente tem dado demonstrações claras de que não confia no conhecimento científico, tendo sido assim em toda a condução da Pandemia e pelo visto esse quadro só tende a piorar.
Nos últimos dias, andamos atordoados com uma nova ação da CONITEC, que publicou um relatório (aberto pra consulta pública), onde recomenda protocolos “clínicos” com o uso de ECT (eletroconvulsoterapia) para “pessoas autistas com comportamentos agressivos”, esse procedimento que também é conhecido popularmente como “eletrochoque” não é indicado pela comunidade científica internacional para o autismo.
A Associação Mundial de Psiquiatria, indica que: “A eletroconvulsoterapia (ECT) é um tratamento efetivo para certos subgrupos de indivíduos que sofrem de doenças mentais graves. Tais subgrupos consistem primariamente de pacientes com transtornos depressivos graves, catatonia, mania e, ocasionalmente, certos pacientes com esquizofrenia. Dependendo da ocorrência de comorbidades com desordens médicas e/ou neurológicas e da análise de risco em relação à necessidade do tratamento, a ECT pode ser tida tanto como procedimento de baixo como de alto risco. A ECT deve ser sempre administrada seguindo informações válidas, com o consentimento do paciente e em concordância com os procedimentos de sua administração.”
No relatório publicado pela CONITEC, esta inclusive admite que “Não há recomendação para o uso dessas alternativas ECT e EMT, em nenhuma das diretrizes clínicas internacionais consultadas, para pessoas autistas”, eles citam ainda no documento que: “A eletroconvulsoterapia (ECT) tem sido apontada como uma opção de tratamento da agressividade, especialmente autodirecionada, tanto em pacientes com neurodesenvolvimento adequado, quanto em pacientes com TEA, porém essas evidências, são baseadas em pequenas séries de casos e muitas vezes direcionadas apenas ao comportamento autoagressivo.”
Ou seja, o próprio relatório está ciente da falta de comprovação científica, mas coloca o procedimento para Consulta Pública, quando na realidade deveria ter vetado esse conteúdo preliminarmente, já que esta discussão abre uma brecha perigosa de iminente violação dos direitos humanos das pessoas autistas, haja vista que é um procedimento extremamente invasivo e sem comprovação científica para “comportamentos agressivos de pessoas autistas”
O órgão deveria se preocupar em entender as causas do “comportamento agressivo” em pessoas autistas e estabelecer protocolos e fluxogramas efetivos de acesso eficazes ao tratamento, promovendo o acesso real às terapias com comprovações científicas, na infância (intervenção precoce) mas também para os adultos autistas, que estão “à margem” dentro do SUS.
Outra coisa muito preocupante no documento, e que causou muita reação dentro da comunidade autista, deve-se ao termo “comportamentos agressivos”, haja vista que é de amplo conhecimento de todos, que esses comportamentos podem ocorrer por questões bem comuns na condição, a autora do Blog Menina Neurodiversa, Alice Cassimiro, que é autista, escreveu um excelente texto sobre o assunto se posicionando contrariamente a recomendação, segundo ela:
“ Uma crise no autista, pode ser ocasionada por algo momentâneo, como uma frustração por não conseguir se fazer entender, uma mudança de rotina inesperada, dificuldade de processar os estímulos do ambiente, entre outras coisas. Nas crises, muitos autistas apresentam comportamento agressivo, seja consigo mesmos ou com outras pessoas. Isso ocorre por uma perda de controle, ou seja, não é algo de que temos controle. Quando acaba, ficamos mal, doloridos e ressentidos, além de exaustos física e mentalmente. Imagine um autista em meio a uma crise agressiva ser forçadamente levado a uma sala de cirurgia, submetido a anestesia geral, recebendo impulsos elétricos de eletrodos e depois acordando sem nem lembrar como e por que foi parar ali. Isso está muito mais perto da lógica manicomial do que do avanço dos tratamentos psiquiátricos para os casos mais graves de adoecimento mental. Inclusive, agressividade no autista não tem necessariamente a ver com adoecimento mental. Como disse, pode ser por causa de algo momentâneo, que depois passa. Quando esses momentos acontecem com grande frequência, isso só mostra o quanto a pessoa está tendo dificuldade de lidar com diversas situações de dificuldade e o quanto o meio não está ainda nem perto de conseguir acomodá-la. Como podem achar que ministrar choques controlados no cérebro dessa pessoa seria útil para isso? Como podem querer que isso se torne uma prática aceita para ajudar os autistas com a agressividade quando uma quantidade enorme de autistas não apenas não pode consentir, como também sequer possui depressão grave ou demais transtornos que realmente se beneficiam da ECT? Sabe o que significa colocar autismo na categoria de saúde mental? CAPACITISMO! Diferentemente da depressão, ansiedade patológica e condições afins, o autismo não é algo a ser evitado, não é algo que possui como característica inata trazer sofrimento à pessoa e muito menos uma forma de adoecimento mental! É uma condição do neurodesenvolvimento, que faz com que a pessoa seja essencialmente diferente, com uma forma atípica de sentir o mundo e que faz parte da diversidade humana.Estima-se que 25% da população mundial tenha alguma forma de deficiência, e achar que isso é um problema, uma “epidemia preocupante” ou que deva ser curado é estupidamente preconceituoso e eugenista. Acima de tudo, é retirar da sociedade a responsabilidade de acolher as diferenças e deixar de querer padronizar as formas de existir. Enquanto essa visão capacitista prevalecer, sugerir dar choque em autistas desacordados como forma de melhorar a agressividade vai continuar sendo algo mais fácil de se pensar do que criar políticas públicas com participação das pessoas com deficiência, promover o debate sobre o respeito e a diversidade, entender de fato o que é autismo nos ouvindo e pensar em como podemos incluir melhor quem é diferente e acolher suas necessidades. Por isso, não podemos aceitar que a eletroconvulsoterapia seja aceita como tratamento para reduzir a agressividade em autistas.”
Diante de todo exposto, e do anseio e clamor das famílias de autistas e dos inúmeros autistas adultos desse país que têm se manifestado contrários a este retrocesso, estamos aqui pra somar nossos esforços com a Comunidade Autista e com os diversos movimentos de Pessoas com Deficiência desse país pra barrar mais este retrocesso.
Desta forma, o Setorial de Pessoas com Deficiência do Partido dos Trabalhadores de Minas Geraisse manifesta totalmente contrário ao documentoque traz uma narrativa capacitista e eugenista.
Além disto, já que essa “proposta” está em votação pra consulta pública, pedimos aos filiados do partido e á todos aqueles que como nós discordam desse procedimento, que respondam o formulário (LINK ABAIXO), e ao final dele, indiquem como “MUITO RUIM”.
Saudações Petistas,
Assinam esse manifesto:
Eduardo Vinicius Soares Ferreira – Eduardo Preto, professor de História, estudante de Direito, coordenador estadual do Setorial de Pessoas com Deficiência do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais.
Daniele Corrêa Dantas Avelar, advogada, autista, mãe de autista, membro do Setorial de Pessoas com Deficiência do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais.
E todo o Coletivo Estadual.