*Por Claudio Scliar
A Constituição Federal de 1988 considera que todos os minérios pertencem à União e que a pesquisa e lavra só podem ser realizadas no interesse nacional (Artigo 176, & 1). Este artigo da Constituição é determinante para se debater e decidir sobre as políticas públicas para a pesquisa, extração, beneficiamento e transformação dos bens minerais.
Deve-se levar em consideração que a grande dimensão e a potencialidade geológica do Brasil, ao lado dos centros de pesquisa, das universidades, das escolas de formação de geólogos, engenheiros de minas e trabalhadores especializados fazem da mineração uma atividade econômica que pode contribuir no desenvolvimento soberano do País. Contudo para isso, é fundamental a ampla discussão de políticas públicas de curto, médio e longo prazo em um Congresso Nacional de Políticas Minerais, que além da atualização do Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM 2030) crie um Conselho Nacional de Política Mineral, aliás proposto no PNM – 2030, lançado em 2011 pela Presidenta Dilma Roussef.
No entanto, sabe-se que a mineração pode provocar mortes, doenças e impactos negativos nos locais de trabalho, nas comunidades e no meio ambiente sendo fundamental a organização autônoma e independente dos sindicatos dos mineiros e das associações das comunidades atingidas, da realização de concurso público para novos servidores e fortalecimento dos órgãos federais como a Agência Nacional de Mineração (ANM) do Ministério de Minas e Energia (MME) e dos órgãos responsáveis pelos licenciamentos ambientais vinculados ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Essas são as condições mínimas para construirmos uma mineração com alguma sustentabilidade, que não sirva exclusivamente aos interesses das mineradoras. Nesse sentido, o próximo governo necessitará reestruturar os órgãos estatais que estão sofrendo mudanças no atual governo destacando-se, no setor mineral, a ANM e o Serviço Geológico do Brasil – CPRM (SGB-CPRM), responsável pelos estudos geológicos e da geodiversidade do território brasileiro.
Não é difícil constatar que desde a invasão portuguesa, em 1500, a mineração se caracterizou pelo incentivo á exportação. Isto é, o fomento, apoio e políticas tributárias, minerárias e ambientais favorecem a produção mineral para venda ao exterior. Dessa forma, o eixo das políticas públicas para o setor mineral poucas vezes visou o interesse nacional. Nos últimos anos cresce a procura de bens minerais para baterias elétricas e fabricação de energia verde como lítio, terras raras e nióbio da mesma forma extraídos, beneficiados e exportados para outros países. O PNM-2030 demonstra que para a extração de 1 milhão de toneladas (1 mt) de ferro se utilizam 100 trabalhadores e para a produção de 1 mt de aço 2.000 trabalhadores. Além dos empregos os países importadores fortalecem e fomentam seus centros de pesquisa e outras indústrias para a descoberta e venda de novas tecnologias.
Por isto, deve ser revogada a Lei Kandir aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso em 1996, ainda vigente, que isenta os exportadores de minérios e cereais de pagarem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e serve como incentivo para as mineradoras exportarem os minérios em bruto. O apoio e fomento governamental deve se dirigir para os centros de pesquisa e universidades brasileiras para a pesquisa, desenvolvimento e inovação que agreguem valor nas cadeias de aproveitamento das nossas riquezas minerais.
Além disso, o novo governo precisa retomar os programas dos governos Lula e Dilma de fomento e apoio aos Arranjos Produtivos Locais (APLs setor mineral), aos garimpos, micro, pequena e média empresas de mineração que representam mais de 95 % das empresas e títulos minerários no País e produzem a quase totalidade das gemas, areia, brita, argila, calcário, agrominerais, rochas ornamentais e outros bens minerais fundamentais para o mercado interno.
Uma realidade que não pode ser esquecida pelo novo governo é responsabilizar e punir os participantes das direções das mineradoras onde ocorreram eventos criminosos como, por exemplo, o rompimento das barragens de Fundão em Mariana (MG) e do Córrego do Feijão em Brumadinho (MG) para que isso não se repita.
Assim, a régua para medir a mineração deve considerar a melhora da qualidade de vida dos trabalhadores das minas, das comunidades nos territórios minerados e a contribuição para o desenvolvimento soberano do País.
*Claudio Scliar, geólogo, professor aposentado da UFMG, ex-secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (MME), coordenador do site Canal Mineral.
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Este é um artigo de opinião. O posicionamento do autor não representa necessariamente as ideias do PT-MG.