Deputados verificam situação de atingidos em Mariana

Passados mais de sete anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, municípios da região ainda sentem os efeitos da tragédia provocada pela Samarco.
2023-05-05 17:57:19
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A Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, instituída este ano pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), está visitando a região atingida pelo desastre. Nessa quinta-feira (4/5) a agenda oficial foi em localidades dos municípios de Aimorés e Governador Valadares, ambos no Vale do Rio Doce. Já nesta sexta-feira, os parlamentares fiscalizam áreas do Rio Doce e também de Bento Gonçalves, em Mariana. Na sequência, haverá Audiência Pública na cidade de Ouro Preto.

O presidente da Comissão, deputado Ulysses Gomes (PT), afirmou que o objetivo é verificar a realidade dos atingidos, para que, de fato, haja uma reparação justa. “Vamos fazer um levantamento real da situação, para que saia um acordo a partir das necessidades reais”, reiterou.

Muitas incertezas

Nas comunidades visitadas, ainda há uma série de incertezas quanto à reparação dos danos causados pela avalanche de rejeitos que escapou de Fundão, matando 19 pessoas e deixando um rastro de destruição que afetou diretamente agricultores, pescadores e comunidades rurais, com danos ainda a indígenas da região.

O primeiro ponto da visita foi a localidade Barra do Manhuaçu, próxima ao Córrego do Baixio, onde está um desvio do Rio Doce em que foi construído um canal para garantir água limpa à usina hidrelétrica de Aimorés.  Um dique de contenção impede que os rejeitos de Fundão passem nas turbinas, mas quando as comportas são abertas, todo o material é jogado no rio, conforme explicou o presidente da Associação dos Pescadores e Trabalhadores de Aimorés (Apetra), Benilde Madeira.

A consequência, frisou ele, é o assoreamento do Rio Doce, provocando enchentes em volume maior ao que era o natural. Nesses momentos, a água sobe até dois metros em alguns pontos de Barra do Manhuaçu, onde na fachada de algumas casas há marcas na parede deixadas pela lama nas enchentes.

Deputados verificaram a situação dos rios da região que foram atingidos pelo rompimento da barragem. (Foto: Diego Batista)

Pescadores pedem socorro

A Presidente da Associação dos Pescadores e Trabalhadores de Aimorés aponta, ainda, outro problema: a dependência de declaração do Ministério da Agricultura e da Pesca (Mapa) para ser reconhecido como pescador profissional e, assim, fazer jus a auxílios financeiros decorrentes dos estragos no rio. “Estou pedindo socorro, e que essa repactuação olhe primeiro para nós”, cobrou o representante da categoria.

O também pescador Carlos Rocha relatou que hoje sofre com problemas de saúde, tem pressão alta e passa dificuldades porque a pesca foi comprometida no Rio Doce. “A Samarco não matou só o rio, está me matando também”, desafabou.

Ele reforça que, sem condições de pesca, há dificuldades na comprovação exigida pelo Mapa para o reconhecimento como pescador profissional. Por isso, uma reivindicação foi a de que a repactuação do acordo de Mariana tenha um programa específico para a categoria, para vencer as burocracias que adiam as reparações.

Contaminação das águas por rejeitos de minério afetou diretamente a vida dos pescadores da região. (Foto: Diego Batista)

Indígenas e ilheiros reivindicam reconhecimento como atingidos

Representante dos indígenas Puris que vivem no município vizinho de Resplendor, Maria Marupuri disse à Comissão que um dos problemas enfrentados é que o Ministério Público de seu município não os reconhece como indígenas e, portanto, nem como atingidos pela mineração. “O nosso interesse é ter o direito de ter a terra, ter o que já era nosso antes”, afirmou.

Na parada seguinte da comissão, na sede da Associação Aripa, em Aimorés, novos relatos de danos aos indígenas. Cacique, Miniamá Puri Meire disse que sua tribo é reconhecida pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em processo de autodeclaração. Apesar disso, ela afirmou que a Fundação Renova e a Vale não os reconheciam como atingidos. “Tiraram todo o nosso sustento da pesca e o nosso direito de ter nossa convivência sagrada e espiritual com o rio”, denunciou a cacique.

Situação semelhante quanto à falta de reconhecimento vivem os ilheiros de Governador Valadares, conforme relatos feitos na comunidade de Ilha Brava, onde os parlamentares atravessaram o Rio Doce, constando o que a lama de rejeitos causou a um solo que era fértil.

A região, segundo a moradora Joelma Teixeira, era formada por várias ilhas, que foram sendo “unidas” pela lama de rejeitos acumulados, que compactaram o solo e assorearam o rio. Os peixes estão contaminados e o plantio ficou comprometido. “A cada enchente a situação só piora”, disse ela.

Representantes dos atingidos formam ouvidos pela comissão da Assembleia. (Foto: Diego Batista)

Sem renda

Já no bairro Santa Rita (Baixa do Quiabo), também em Governador Valadares, a costureira Luíza Helena contou que quando Fundão se rompeu ela perdeu todas as máquinas que lhe traziam renda. Numa das últimas enchentes, ela – que mora numa casa que dá fundos para um rio hoje assoreado – contou que a água quase chegou ao segundo andar da residência.

O presidente da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, deputado Ulysses Gomes, afirmou que os levantamentos da comissão vão servir para atualizar a ALMG e também o Ministério Público e os governos federal e estadual sobre a situação dos atingidos, passados todos esses anos. O deputado também defendeu que o parlamento participe ativamente desse acordo de repactuação.

“A luta aqui é para que esse acordo saia do papel porque tem muita gente esperando por isso, e esperando há muito tempo”, frisou Ulysses Gomes.

Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a tarefa agora é interromper a violação de direitos dos atingidos, garantindo que eles sejam ouvidos, já que são eles os mais afetados pelo que chamou de “crime continuado da Samarco”.

Economia da região ainda sofre com os impactos do rompimento da barragem. (Foto: Diego Batista)

O deputado Leleco Pimentel (PT) considerou que, diferentemente do ocorrido quando do acordo inicial de Mariana, o governo federal na atual gestão estaria empenhado na justa repactuação, fazendo aquilo que a Renova e a Vale não teriam feito, na sua avaliação. A deputada Bella Gonçalves (Psol) e o deputado Jean Freire (PT), vice-presidente da Comissão, também participam das agendas nos municípios e distritos atingidos.

As visitas são acompanhadas por representantes da Advocacia-Geral da União, da Secretaria-Geral da Presidência da República e do Ministério do Desenvolvimento Social, além da Assessoria Técnica Independente, que defende os atingidos para garantir sua participação nas negociações.

A programação dessa quinta-feira foi encerrada à noite, com uma audiência pública em Governador Valadares, para discutir os impactos ambientais na Bacia Hidrográfica do Rio Doce e os danos causados à população local. Nesta sexta-feira, também está prevista audiência pública, na cidade de Ouro Preto.

Repactuação

Para criar a comissão extraordinária sobre Mariana, a Mesa da Assembleia considerou os atrasos e o descumprimento de cláusulas de acordo de reparação celebrado em 2016 pela União, pelo Estado de Minas Gerais, pelo Estado do Espírito Santo e pelas empresas Samarco, BHP Billiton e Vale. Considerou, ainda, as notícias de negociações em torno de um novo acordo, se comprometendo por meio da comissão a acompanhar seus desdobramentos e o efetivo cumprimento das reparações devidas.

*com informações da Assessoria de Imprensa da ALMG