Em artigo, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) denuncia os retrocessos que ameaçam o sistema eleitoral e a democracia no Brasil
A combalida democracia brasileira sofre permanentes ataques. O presidente da República investe contra ela diuturnamente, buscando desestabilizar o sistema para se perpetuar no poder. Mas ele não age sozinho. Nesta semana, a artilharia será na Câmara dos Deputados, que deve votar o chamado “distritão” e a possível volta do voto impresso.
O debate dos dois temas já é um descalabro, mas fazê-lo neste momento é ainda mais grave. A pauta deveria ser o que realmente aflige a vida dos brasileiros, como o combate à pandemia, a falta de vacinas, o desemprego, a fome, o auxílio emergencial insuficiente, as crianças e jovens fora das escolas, a carestia e a inflação nos preços dos alimentos.
O atual sistema proporcional de votação garante a pluralidade na representação, expressando nos Parlamentos a multiplicidade de pensamentos e interesses presentes na sociedade. Ele se sustenta na organização partidária, pressuposto fundamental para o funcionamento da democracia.
Já o distritão propõe praticamente a anulação dos partidos e estimula a personalização das candidaturas, já que os mais votados seriam os eleitos. Ele impede a renovação dos mandatos, acaba com o voto de opinião e vai instituir o predomínio das campanhas milionárias. Com ele, a entrada de mulheres, representantes dos trabalhadores, dos negros, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência fica comprometida, pois esses segmentos têm menos condições financeiras para as disputas, e alguns deles hoje são valorizados pelas cotas no Fundo Eleitoral.
Outro ataque à democracia promovido pelo distritão é o desprezo pelo voto da maior parte da população. Atualmente, quando você vota em um parlamentar que não é eleito, aquele voto contribui para a eleição de alguém do mesmo partido, garantindo a representatividade. A forma de representação parlamentar proporcional é utilizada em praticamente todos os países. Já o distritão é usado em apenas em quatro: Ilhas Pitcairn, Vanuatu, Jordânia e Afeganistão.
O debate sobre o voto impresso faz parte das investidas de Bolsonaro contra as eleições de 2022, em que já prevê sua derrota. Assim, já planta a semente golpista para tentar manter-se na cadeira presidencial à força. Mas não é apenas isso; instituir esse debate agora serve de cortina de fumaça contra a triste realidade brasileira, com 563 mil mortos pela Covid e permeada pelo desemprego e pela fome. O presidente vive acusando fraudes nas votações com urna eletrônica, mas até hoje não provou absolutamente nada, pelo contrário, quanto mais fala, mais fica nítida a segurança do atual sistema.
Felizmente, a comissão especial que analisou a matéria derrotou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 135/2019), que torna obrigatório o voto impresso, na sua última reunião. Porém, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resolveu dar-lhe sobrevida, prometendo levar a análise direto para o plenário.
E, assim, vamos perder mais tempo para reiterar o óbvio e combater o injustificável. Mas são os custos de defender o sistema democrático sob permanente ataque. Não que tenhamos um sistema ideal, pois precisamos de muitos avanços, mas, como disse o ex-presidente inglês Winston Churchill: “A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais formas que têm sido experimentadas ao longo da história”.
Reginaldo Lopes é deputado federal pelo PT-MG
(Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo, em 10/08/2021)