*Por Antônio Nahas Júnior
Em 1979, o Brasil estava em plena transição política. O General Geisel comandara a abertura do regime ditatorial, e outro militar foi alçado à Presidência: o General João Batista Figueiredo, que chegara ao Planalto cheio de ideias. Nesse Brasil que já começava a fervilhar, Chico Ferramenta morava numa república, em Belo Horizonte, com alguns amigos, alheio ao que acontecia pelo Brasil afora. Tinha 20 anos de idade. Saíra de Bom Despacho com destino a BH para estudar na antiga e renomada Escola Técnica Federal, onde acabara de terminar o curso de Técnico em Química. Agora, cursava Matemática numa Faculdade particular.
Mas as coisas andavam difíceis. A Faculdade era cara e a grana, curta. Movido por essa dificuldade, aconselhado por amigos, tomou uma decisão que mudaria inteiramente o curso da sua vida: tentar vaga como estagiário na Usiminas, em Ipatinga.
Chico vence o desafio e, logo após o estágio, é contratado e torna-se funcionário do Centro de Pesquisas da Usiminas. É ali que seriam dados os primeiros passos na construção da sua carreira política. Logo em seguida, Chico casa-se e traz sua mulher, Cecília, para Ipatinga.
Foi no Centro de Pesquisas que Chico entrou em contato com militantes das Pastorais Operárias. Foi lá, também, surgiu um projeto ambicioso: disputar as eleições do Sindicato dos Metalúrgicos, o poderoso Sindipa, que sempre fora controlado de forma indireta pela Usiminas.
Em 1984, em plena campanha salarial, tomou a palavra na Assembleia da categoria e fez um discurso que impressionou profundamente a todos os presentes. Logo, é escolhido presidente da chapa Ferramenta, disputando a eleição sindical de 1985. Sua chapa venceu no primeiro turno, mas acabou derrotada ao final, pela pressão da Usiminas, que unificou todos os oponentes.
Após as eleições, os componentes da chapa Ferramenta foram sumariamente demitidos pela Usiminas, o que causou uma revolta silenciosa entre os trabalhadores. Esse sentimento não podia ser expressado no ambiente sindical. Mas na Política, no voto, era possível.
Partido dos Trabalhadores
Da vida sindical ao PT foi um passo. Candidata-se a deputado estadual em 1986, recebendo votação consagradora, o segundo deputado mais votado de Minas Gerais. Logo em seguida, em 1988, vence as eleições para prefeito de Ipatinga, onde realizaria três administrações consagradoras, mesclando servidores muito competentes do corpo técnico da própria prefeitura com profissionais de ponta trazidos de diversas regiões do País. As finanças municipais, que eram caóticas, foram organizadas, as dívidas equacionadas, as obras que estavam paralisadas foram retomadas, os salários pagos em dia.
Foram colocados em prática mecanismos de gestão transparentes e participativos. O orçamento municipal passou a ser discutido, aprovado e acompanhado pela população, que discutia também tarifas do transporte coletivo, de água e esgoto, a elaboração participativa do Orçamento tornou-se uma marca registrada em nível nacional, e foi replicada em praticamente todas as prefeituras governadas pelo PT.
É dessa época a obra do Mergulhão, que uniu os bairros Horto e Bom Retiro; a construção da Policlínica e do Pronto Socorro; a instalação do Parque Ipanema; do Ginásio 7 de Outubro; da revitalização do Estádio Ipatingão e muitas obras de pavimentação por toda a cidade.
O maestro e líder de todo o processo foi Chico Ferramenta. À frente da Prefeitura, demonstrou capacidade e visão administrativa. Soube formar a equipe e liderá-la. Sabia ouvir, ponderar as opiniões e indicar o caminho certo na hora exata.
Chico possuía um tino administrativo inigualável. E surpreendente, também, pois não tivera ainda nenhuma experiência administrativa. Sabia articular politicamente, recebendo vereadores de diversos partidos, ouvindo seus pleitos e traçando normas para construção de sua base política.
Ao deixar a Prefeitura, Chico foi conduzido à presidência do PT mineiro. O passo seguinte seria sua candidatura vitoriosa a deputado federal. Na Câmara Federal, amadureceu sua visão do mundo político e do País. Mas seu destino era governar Ipatinga.
De volta à prefeitura
Entre os anos 1996-2004, Chico foi novamente eleito e, posteriormente, reeleito prefeito. Deu continuidade ao projeto Novo Centro, iniciado nos anos anteriores pelo Prefeito João Magno. A antiga “Rua do Buraco”, que abrigava famílias em áreas de risco na área central, foi inteiramente reurbanizada, e as famílias reassentadas no bairro Planalto, de forma humana e participativa. O Morro do Sossego foi também urbanizado, e ainda tivemos a construção da avenida Londrina, articulando a área central com outros eixos rodoviários. As partes altas da cidade receberam obras de infraestrutura, iniciando o “conserto” de cima pra baixo. O Pronto Socorro transformou-se em Hospital Municipal.
Ao fim do seu terceiro mandato, desgastado por anos a fio à frente da prefeitura, Chico já apresentava sinais evidentes de cansaço. Os anos de poder, com viagens, reuniões, articulações, lutas, vitórias, derrotas, acabaram deixando feridas e marcas que se abririam com o passar dos anos.
Mesmo esgotado pelo peso dos doze anos à frente da prefeitura, Chico ainda disputaria a prefeitura no ano de 2008, concorrendo com Sebastião Quintão. Venceria o pleito, mas não tomaria posse, impedido pela Justiça.
Esse fato deixaria marcas profundas na sua vida. Aos seus olhos, o mundo desabara. Um sentimento de decepção, de desgosto e de injustiça povoaria sua mente. Seu humor, sempre vivo e cáustico, desapareceria. A apatia por tudo e por todos tomaria o seu lugar.
Injustiças
Com o passar dos anos, avolumaram-se os processos judiciais contra Chico Ferramenta e sua equipe. Tais processos não se referem a corrupção ou a desvio de recursos públicos. Nada disso. São relacionados às falhas administrativas, daquelas que podem ocorrer em qualquer administração. O maior deles refere-se a convênio realizado com o Governo Federal, em 1991, para execução de obras no município. Todas as intervenções previstas no convênio foram executadas. E a preço de mercado. Não houve desvio de recursos ou superfaturamento.
Mesmo assim, a recompensa de Chico e sua equipe foram a penalização e a condenação à devolução dos recursos investidos nas obras. A Justiça alegou que o contrato que abrigou a execução das obras já tinha perdido a validade e, por isso, considerou que as obras foram feitas sem licitação. Porém, a decisão de utilizar o contrato para fazer as obras foi amparada em pareceres de diversos advogados, entre os quais o escritório de Paulo Neves de Carvalho, uma lenda no Direito Administrativo. Mas nada adiantou. O peso recaiu sobre seus ombros e da sua equipe.
Por conta disso, Chico teve os direitos políticos cassados, e seus bens foram bloqueados. Foi igualado pelos Tribunais a outros políticos corruptos que se enriqueceram ilicitamente. A condenação, a seus olhos, dos seus amigos e admiradores, foi um ultraje e uma injustiça. Sua vida, sua carreira, foram destruídos. Seus inimigos souberam articular ações bem pensadas, que lhe retiraram o ânimo para o combate.
Que a Justiça seja feita
O último ano de Chico Ferramenta à Prefeitura de Ipatinga coincidiu com a chegada de Lula à Presidência da República. Prefeitos como ele contribuíram para consolidar a imagem do PT como um partido capaz de conduzir o Brasil para o desenvolvimento socioeconômico equilibrado, justiça e equidade.
Lula também foi perseguido, condenado, teve seus direitos políticos cassados. Foi preso, viveu esse pesadelo, enquanto sua mulher falecia. Mas foi feita justiça, teve sua vida de volta e foi eleito novamente à Presidência da República.
Com Chico Ferramenta, isso ainda não aconteceu. Vive ainda sob o peso dessas injustiças, tendo sido massacrado ao longo dos anos.
Esperamos apenas por uma coisa: Justiça! Enquanto ele ainda vive.
*Antônio Nahas Júnior é economista. Participou em diversas administrações municipais em Ipatinga e Belo Horizonte. Atualmente é empresário e gerente da NMC Projetos e Consultoria.
*Artigo publicado originalmente no portal Diário do Aço.
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Este é um artigo de opinião. O posicionamento do autor não representa necessariamente as ideias do PT-MG.