*Por José Francisco Seniuk
Há uma economia política por trás do emprego das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) E elas proporcionam, basicamente, dois fatores: a crescente privatização de serviços públicos e a captura intensiva dos dados da população. As consequências que os poderes públicos de inspiração neoliberal trazem para a vida das cidades, aí, são conhecidas. As produções de desigualdades sociais expressam exatamente o contrário do que prometem.
Um primeiro passo para se contrapor a esse tipo de processo é reconhecer os modelos políticos e econômicos sobre os quais a grande maioria das cidades funcionam e os limites e possibilidades que existem para uma cidade desenvolver políticas contra hegemônicas. Dado, principalmente, que este modelo é planetário, insidioso, com operadores poderosos que alardeiam a falência da política, enaltecem o individualismo, promovem o convencimento de pessoas com promessas genéricas de realização pessoal, felicidade e até de liberdade e democracia.
No nível estratégico, há muito foi quebrado o combate à privatização criminosa (lesa pátria!) das telecomunicações, com a postura não-republicana da Anatel – Agência nacional de Telecomunicações e do Ministério da Comunicações, com a destruição do parque de pesquisa e de desenvolvimento do setor. Algo que pode ser, se retrabalhado, gradualmente revertido, em um governo progressista, com políticas públicas que reconstituam nossa competente, mas sucateada engenharia nacional.
Isto posto, é preciso entender que, como governo ou como atuação militante, podem ser construídas ações para desenvolver políticas contra-hegemônicas que possibilitem, no médio prazo, resgatar os princípios estratégicos de reestruturação do setor. A inclusão social, a distribuição de renda, a democracia e a soberania são princípios sob os quais podem ser executadas ações imediatas nos níveis de poder de governos municipais e estaduais de forças progressistas presentes no Brasil.
Importante destacar que a política de TIC, no aspecto tático operacional, pode ser abordada tanto como ação de governo, como também em uma condição onde, não sendo governo, pode se agrupar uma força militante para desenvolvimento do homem pelo homem, pela disseminação social de uma informação confiável, pelo conhecimento e educação como instrumentos democráticos.
Estas ações, se desdobram em três eixos: o da Infraestrutura, o de Serviços e Conteúdos e o da Capacitação, Consultoria e do Atendimento.
No eixo da infraestrutura, há um elenco de ações implementáveis no arcabouço legal existente. Uma primeira é a instituição de Parceria Público Privada para estruturação de redes e datacenters. Outra é a implantação de outorgas de TV Cidadania. Uma terceira, na mesma linha da segunda, é o incentivo às comunidades com condições para implantarem estações comunitárias de Rádio WEB, para disseminarem notícias, cultura e comércio local e ações de economia solidária.
A quarta, muito transformadora, seria garantir às escolas públicas a condição de centro irradiadores de energia social (de conhecimento e cooperação) para operarem como nós de uma rede de fibras e estações de satélite, WI-FI, com salas para EAD (ensino à distância), com salas de trabalho compartilhado, com salas de apresentações culturais para os pais de alunos e vizinhos da escola, enfim, para a comunidade do entorno, em horário compatível com sua missão principal constitucional. Em quinto, levar fibra ótica às favelas e nos hubs de distribuição, para fazer o mesmo que o proposto para as escolas públicas.
Em sexto, também se apropriando de algo já existente, utilizar a multiprogramação da TV Digital, já disponível inclusive em empresas públicas de televisão, ou na TV Cidadania criada para a implantação de rede de ensino EAD semipresencial, com monitores e canal de retorno para capacitação servidores públicos, complementação de educação regular de ensino com cursos profissionalizantes. É possível, ainda, buscar outorga do canal de cidadania digital para suprir esta ação onde ele não existir.
Em sétimo, é estratégico também garantir conexão de 10 a 50 Mbps (dependendo do número de equipes) para as Unidades Básicas de Saúde em núcleos urbanos ganharem autonomia de funcionamento ágil. A implantação de sistemas para dispositivos móveis para dar suporte às atividades de equipes itinerantes de saúde da família e de vigilância sanitária, completariam este importante instrumento de garantia de apoio à saúde pública.
Ainda no campo da Saúde, é possível criar programas de Telessaúde (com transmissão de imagem, cirurgia remota, segunda opinião, teleconferência científica), conectando hospitais regionais a hospitais universitários e centros e institutos de pesquisa em saúde, das redes estadual e federal, em parceria com a RNP – Rede Nacional de Pesquisa, com a FIOCRUZ e o Instituto Butantan, entre outras instituições de excelência.
Outra ação viável na infraestrutura é a implantação de aplicativos e serviços voltados para a formação técnica para o desenvolvimento da agricultura familiar. E, na interface com a economia solidária ou com o empreendedorismo, é possível também criar mecanismos de incentivos a cooperativas e aos startups (incubados), para promoverem iniciativas de desenvolvimento de aplicativos e conteúdos, estimulando e potencializando a criação de arranjos produtivos locais nas áreas de tecnologias da informação.
Tecnologias não convencionais
Abaixo são descritas tecnologias que podem enviar conteúdo, onde não houver possibilidade de usar a internet convencional e os produtos de rede social (incluindo YouTube e Whatsapp, oriundas da Big Data, entre elas).
Entre elas, a multiprogramação da TV Digital para atingir 23 milhões de antenas Banda C no interior do Brasil. Para isto, é possível fazer parceria com instituições progressistas que têm outorga de TV Digital.
Também é possível estruturar a Rádio WEB comunitária em distritos e pequenas cidades, tornando-as equivalentes a uma grande rede Wi-Fi para as localidades, funcionando como rádio local. De outro lado, é possível utilizar rádios comunitárias outorgadas para campos políticos progressistas. Bem como ocupar as grades das TV Comunitárias existentes. E, por último, realizar a implantação do Canal Cidadania nos municípios onde não houver outorga.
Já no eixo Serviços e Conteúdo, para atender as áreas típicas de governo, de forma transversal e, na ponta, o cidadão e suas necessidades a tecnologia das plataformas digitais surgem como importantes oportunidades tecnológicas, suportadas pelas infraestruturas de TIC.
Para o desenvolvimento econômico e social, é urgente o atendimento ao setor de transporte e entrega de mercadoria por aplicativos em plataformas centradas na organização solidaria dos trabalhadores, considerando a necessidade de proteção social, autogestão e as consequente taxas modicas de administração.
Já no eixo da Capacitação, da Consultoria e do Atendimento, para a utilização eficiente da tecnologia da informação e comunicação pelo cidadão, pelas prefeituras, pelos servidores e gestores públicos em geral, é necessária a permanente combinação de capacitação e consultoria a estes atores e entidades, em seus vários níveis de interação.
Enfim, a militância precisa sair da bolha e elaborar programas que interajam com a base da pirâmide social do país, em linguagem acessível e empática. Colocar-se de forma ativa e transversal em todos setores da economia para este relacionamento com a população mais humilde.
No âmbito federal
Outras ações, que dependem do Governo Federal e da Anatel, precisam que os deputados, partidos, Ministério Público da União, sindicatos, associações e até ONG’s monitorem bem suas implementações.
Uma delas é a inclusão digital das populações em assentamentos ou comunidades rurais, com instalação de ponto de comunicação via satélite, de acesso público para cada comunidade, com banda inicial de 2 Mbps, que pode ser ampliada gradativamente até 10 Mbps.
Outra questão estratégica e de soberania é rever os parâmetros da implantação do 5G. É preciso observar que os arrematadores da faixa de 26 GHz do edital de 5G terão que investir para garantir a conectividade nas escolas públicas de ensino básico como contrapartida. E que o GAPE – Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas, com representantes dos Ministérios das Comunicações e da Educação, da Anatel e das operadoras vencedoras, está incumbido de definir as diretrizes de como fazer o investimento na Internet das escolas públicas. E que as vencedoras da faixa de 3,5 GHz, voltadas para o consumidor final, serão responsáveis pela migração do sinal da TV parabólica banda C, onde for o caso de interferência.
Além disto, trinta e um mil quilômetros de rodovias do país deverão contar com internet 4G. Uma observação importante é que, colocada como contrapartida, a conectividade nas estradas, que utilizará a faixa 700 MHZ, poderá trazer um ganho colateral no atendimento de assentamentos, comunidades ribeirinhas e quilombolas, uma vez que esta faixa de frequência possui característica de baixa atenuação no espaço livre, podendo atingir grandes distancias.
Uma rede privativa de comunicação para a administração federal deverá ser construída, pelas empresas investidoras, o que pode aumentar a segurança dos dados governamentais, mas que depende de políticas neste sentido.
As tecnologias da informação são pródigas no sentido de sugerirem transparência e democracia. Ao se criar alguma coisa nova, associando-a ao sufixo “digital”, passa-se uma ideia de modernidade que não pode ser confundida com democracia, transparência ou até mesmo inclusão.
É impossível fazer com que dados e informações sejam consistentes, confirmados e passíveis de serem transmitidos à sociedade, de forma a passar a proposta da boa governabilidade ou da boa informação, sem que sejam verificáveis e confiáveis. Pior do que inibir a exposição de dados e informações é exibi-las de maneira incorreta, inconsistente ou sem possibilidade de verificação.
Uma proposta consequente é a de criar uma instância que cuide da normalização e validação das informações sensíveis, antes de serem exibidas ou divulgadas. A proposta é abrangente e longa. As ações para isto devem ser centralizadas e reproduzidas em toda estrutura organizacional de governo e demais poderes, de maneira transparente.
*José Francisco Seniuk é membro titular do Coletivo do Setorial de Ciência e Tecnologia / Tecnologia da Informação do PT-MG.
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Este é um artigo de opinião. O posicionamento do autor não representa necessariamente as ideias do PT-MG